terça-feira, 14 de setembro de 2010

Defendendo "princípios republicanos", Senado da França aprova proibição do véu integral

Folha de São Paulo

O Senado da França aprovou nesta terça-feira, por 246 votos a um, o projeto de lei que proíbe o uso do véu islâmico integral em espaços públicos. O texto, que causou polêmica no país --que tem uma das maiores comunidades muçulmanas da Europa-- já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados em julho e agora deve virar lei e entrar em vigor em 2011.

"Isso não é sobre segurança ou religião, mas de respeitar nossos princípios republicanos", declarou a ministra da Justiça, Michele Alliot-Marie, antes de votar. "A França, terra do secularismo, garante o respeito a todas as religiões, [mas] esconder o rosto sob um véu é contra a ordem pública, seja de forma voluntária ou forçada", disse ela.

A votação ocorre num momento em que outras políticas da França --especialmente um movimento para expulsar ciganos romenos-- gerou acusações de racismo, e a nova lei deve gerar mais críticas de grupos de direitos humanos.

Antes de entrar em vigor, o projeto de lei deve ser analisado pelo Conselho de Estado, que terá um mês para se posicionar. Isso tornaria a França o primeiro país da Europa a adotar uma medida desse tipo.

A proibição tem forte apoio popular. Uma pesquisa internacional feita em abril e maio pelo Pew Research Center revelou que mais de oito em cada dez eleitores franceses apoiam a medida.

Leis semelhantes estão em andamento na Bélgica, Espanha e algumas cidades da Itália, mas a proibição é um assunto particularmente delicado na França, cujos subúrbios são lar para a maior comunidade muçulmana na Europa.

CARNAVAL E PAPAI NOEL

A legislação francesa é bastante curta, contendo apenas sete artigos, informa o jornal "Le Monde". Um deles proclama que "nenhuma pessoa deve, em público, vestir roupas desenhadas para ocultar seu rosto". Há exceções, incluindo o uso de capacetes para motociclistas, máscara para quem trabalha com soldas ou amianto, e os disfarces de carnaval ou de papai noel, informa o jornal.

O texto sequer menciona o Islã, mas o governo do presidente Nicolas Sarkozy promoveu a lei como um meio de proteger as mulheres de serem forçadas a vestir o véu.

Se for aprovada, a lei prevê imposição de multa de 150 euros para as pessoas que saiam às ruas vestidas com a burca ou o niqab. Antes que a lei seja colocada em prática, haverá um período de seis meses para "educar" as mulheres que atualmente usam o véu, para que deixem de vesti-lo de forma voluntária.

Caso se recusem a deixar de lado a burca, além de serem multadas, as mulheres muçulmanas também podem ser obrigadas a passar por um "curso de cidadania". A punição será maior para quem obrigar uma mulher a usar a vestimenta, podendo ser preso por até um ano e receber multa de até 30 mil euros.

REAÇÕES

Alguns críticos defendem que a lei explora um problema que sequer existe --apenas cerca de 2.000 mulheres entre as seis milhões de muçulmanas na França usam o véu integral-- e leva a um sentimento antimuçulmano, enquanto desvia a atenção dos problemas econômicos da França.

A maiorias dos muçulmanos franceses vêm das ex-colônias francesas no norte e oeste da África, onde é raro usar o véus, e não da península arábica ou do Paquistão, onde niqabs e burcas são uma tradição cultural.

Outros criticam que a proposta é uma "tentativa cínica" do presidente francês, Nicolas Sarkozy, de atrair os votos da ultradireita.

Organizações muçulmanas já disseram que irão contatar as mulheres que usam a burca para informá-las de que o Alcorão não exige que usem a vestimenta e que, a partir do ano que vem, estarão infringindo a lei.

Seja qual for o tipo, o véu é visto pela mulher muçulmana como uma demonstração de respeito a Deus e ao islamismo. Segundo especialistas, sua proibição nas ruas não levará as mulheres a deixar de usá-lo e sim de circular apenas nos espaços públicos.

Organizações islâmicas moderadas dizem estar dispostas a colaborar com as autoridades, apesar de saberem que a lei causará indignação entre os mais radicais.

A direita governista alega que o uso da vestimenta fere a liberdade e a dignidade da mulher e é ainda um risco à segurança, já que não permite sua identificação.

Os opositores socialistas advertiram que a proibição geral da burca vai contra a Constituição francesa e, além disso, pode ter problemas práticos de aplicação. Em março passado, o Conselho de Estado da França, a máxima instância administrativa do país, afirmou que a proibição geral e absoluta do véu integral poderia ser impugnada juridicamente e que seria frágil do ponto de vista da não discriminação.

A medida também tem a rara diferença de ser condenada antecipadamente tanto pelos EUA quanto pela Al Qaeda. Tanto presidente americano, Barack Obama, quanto o militante islâmico Ayman al Zawahiri criticaram-na como um insulto aos muçulmanos.

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